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Dos engenho à boca dos brasileiros: conheça a produção de rapadura nas margens da CE-040

Ao longo da CE-040, famílias se dedicam à produção de rapadura e lutam para que o

sabor da tradição seja preservado em cada pedaço

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Milenar, a rapadura alimenta e sustenta gerações de cearenses / Fernanda Filiú

A região é uma das principais referências turísticas na produção e comercialização da rapadura no estado. A rodovia CE-040, que liga a capital Fortaleza a municípios da rota do Sol Nascente, foi escolhida, ainda no século XX, para abrigar os empreendimentos responsáveis pela fabricação do doce.

 

A região cortada pela CE-040 é um símbolo para a produção de rapadura. Pindoretama, um dos principais municípios em torno da rodovia estadual, é conhecida como a Capital Nacional da Cana e da Rapadura. O título foi conferido pelo Projeto de Lei 7623 do Congresso Nacional, em 2017, reconhecendo a importância econômica, social e cultural do município frente à tradição canavieira e à fabricação da iguaria. 

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A rapadura é símbolo da cidade de Pindoretama, no Ceará / Fernanda Filiú

A rapadura, antes de ser finalizada para o consumo, passa por 7 cuidadosas etapas de preparação. Nesse processo, tem-se a colheita da planta, limpeza, moagem, cozimento, resfriamento, modelagem e embalagem; fora a comercialização. Cada estágio possui cuidados especiais que devem ser cautelosamente realizados para a obtenção da rapadura perfeita. No engenho O Bari, localizado próximo ao limite  entre os municípios de Aquiraz e Pindoretama, os visitantes têm a oportunidade de conhecer cada fase, acompanhando todo o ciclo de produção do doce. 

 

Durante visita ao engenho O Bari, Lindenalva Pereira, proprietária do local, explica que o processo de produção da rapadura é longo e delicado. Inicialmente, a cana-de-açúcar, além de despontada, deve ter suas folhas laterais e o palmito retirados. Completamente limpa, a planta está pronta para ser moída.  Na etapa de moagem, há a retirada do caldo, utilizado para produzir a rapadura, mas também outros produtos, como a cachaça e o melaço. Após a extração, o caldo é peneirado para retirar as impurezas, popularmente conhecida como borra.

 

A variação de cores da rapadura, quando não adicionada de corante, acontece pela presença ou não da borra. A rapadura preta, por exemplo, não é filtrada e, devido a esse componente, possui uma coloração escura. Já, a rapadura branca como tem em seu caldo a retirada das impurezas, resulta em uma cor mais clara, que pode vir a alterar o sabor comparado à primeira. 

 

Depois da purificação, o caldo é cozido nas caldeiras, em alta temperatura, até chegar no ponto ideal. Agora, mais sólido, com textura de massa, o produto é posto em tachos de madeira e logo após é transferido para os moldes. Com o auxílio de uma espátula,  é moldado em diferentes tamanhos e formas, para além do tradicional formato quadricular. 

 

Já nas últimas etapas, a massa é posta para esfriar e quando atinge a temperatura certa, é desmoldada e empacotada, pronta para a comercialização e o consumo. De fato, desde a plantação da cana-de-açúcar até a moldagem da rapadura, muitas mãos, rostos e histórias são envolvidas na produção. 

Porém, a fabricação do tradicional e histórico doce não depende somente da vontade e esforço humano. O ciclo da cana-de-açúcar tem forte influência na periodicidade e feitio da rapadura. De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a planta possui um longo período de maturação, sendo plantada de janeiro a março e colhida somente após 12 a 18 meses. O tempo de crescimento da cana-de-açúcar define a época da produção da rapadura, que acontece nos pequenos engenhos, normalmente, entre os meses de julho e dezembro. 

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A cana-de-açúcar é matéria-prima para diversos produtos que movimentam a economia cearense / Fernanda Filiú

No entanto, nos municípios de Aquiraz, Pindoretama e Cascavel, é possível ver a produção da rapadura durante todos os meses do ano. O turismo na região tem como foco as belas praias do leste cearense, como Morro Branco, Águas Belas e Porto das Dunas. Mas, o roteiro turístico de grupos de passeio possui como parada obrigatória os engenhos da rodovia estadual 0-40. 

 

Os engenhos se preparam para receber turistas tanto nordestinos, quanto de locais distantes, todos os dias. Com uma história secular no estado, a rapadura alimenta e gera renda para gerações de famílias cearenses, principalmente nos municípios atendidos pela CE-040. Ainda que com maquinário, como o moedor de cana elétrico, os engenhos da beira da estrada prezam o trabalho artesanal na produção de suas delícias, que não incluem somente a rapadura tradicional.

 

No engenho O Bari, um dos mais conhecidos na região, fundado em 1939, em média, 8 pessoas atuam na produção. Trabalhando cercada pelo aroma doce e inconfundível do caldo de cana, Ruth Mendes, 26, atendente do engenho O Bari, afirma que a variedade e a tradição artesanal são dois pontos fortes na chamada de novos clientes.

“Todo mundo enche os olhos dizendo que nunca viu tanta variedade de rapadura. Os turistas de fora do Nordeste gostam muito de ver a produção também. É uma coisa nova para eles, é a nossa cultura”, ressalta a funcionária.

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Os tachos de madeira são usados para moldar a massa formada pelo cozimento do caldo de cana / Fernanda Filiú

Para a turista Aline Silva, 33, natural de Guarulhos, São Paulo, a produção é a parte mais interessante da visita ao engenho. “Eu nunca tinha visto a feitura da rapadura sem ser pela televisão e foi a primeira vez que experimentei esse doce típico do Nordeste. É diferente, mas muito saboroso”, aponta a paulista. Apesar de a iguaria estar presente em quase todo Brasil, é nos engenhos cearenses que visitantes experimentam novas formas e sabores deste doce tão importante para a cultura nordestina. 

 

Pela diversidade, o engenho O Bari encontrou nos sabores, uma forma de se destacar e inovar. Rapadura de gengibre, de menta, banana e açaí, manga, cajá e até mesmo chiclete. Essas são somente algumas das dezenas de variedades de rapadura no estabelecimento. Para os turistas que chegam no engenho, a diversão é garantida. Além de poderem tirar fotos com a rapadura gigante presente na entrada do local, os clientes também degustam os mais diferentes sabores da guloseima.

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Rapadura de chiclete é novidade no engenho O Bari e a favorita das crianças / Fernanda Filiú 

Segundo Lindenalva Pereira Ribeiro, proprietária do engenho O Bari, o público visitante é variado, mas a maioria vem do Sul e Sudeste do país. E entre os relatos mais escutados estão as surpresas dos turistas com as rapaduras saborizadas. 

“Quando eles vêm e provam, eles gostam muito das saborizadas. Normalmente, eles só conhecem a rapadura tradicional e acabam levando para amigos e familiares que também não conhecem. Assim, esses amigos se interessam e vem nos visitar e vai se formando essa cadeia de relações”, explica a empreendedora.

A sobrevivência no pós-pandemia

A busca constante pela inovação é fundamental para a sobrevivência dos engenhos na região. Durante a pandemia do COVID-19, esses empreendimentos tiveram que fechar suas portas para visitantes devido às restrições sanitárias, o que impactou na geração de renda desses comércios. Segundo dados do levantamento do SEBRAE-CE, apresentado pelo diretor técnico, Alci Porto, no Seminário de Gestores Públicos: Prefeitos do Ceará, em 2020, mais de 15 mil micro e pequenas empresas encerraram as atividades no estado por conta da pandemia e sem perspectiva de reabertura.

 

Para os engenhos com maior estrutura, como no caso do O Bari, a produção da rapadura no período pandêmico não foi cessada. Apesar de não receber turistas, parte significante da entrada de recursos de venda, o engenho também trabalha com o abastecimento de seus produtos para supermercados locais. 

 

O fornecimento para as redes de hiper e supermercados manteve estável a geração de renda da família Pereira Ribeiro na pandemia. Entretanto, essa não foi a realidade de todos os engenhos e produtores de rapadura. Lindenalva Pereira comenta que muitos engenhos conhecidos na região fecharam suas portas durante e após a pandemia. Para os empreendimentos sustentados somente pelo turismo local, foi impossível não ceder à pressão de ter prateleiras cheias, mas caixas vazios.  

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Depoimento Lindenalva Pereira - Engenho O Bari

Há algum tempo é possível observar o declínio da produção e comercialização da rapadura no Ceará. Reportagens de meados dos anos 2000 a 2010 já noticiavam o fechamento de engenhos e a queda na produção da iguaria no estado. De acordo com o mais recente Censo Agropecuário, realizado pelo IBGE, em 2017, o Ceará produziu 3.275 toneladas de rapadura, enquanto em 2006, foram produzidas 5.511 toneladas, resultando em uma queda de, aproximadamente, 40% na produção. Com um cenário já não favorável para o crescimento desse mercado, a pandemia em 2020 precarizou ainda mais a produção tradicional e o comércio familiar da rapadura cearense.

 

Para José César Ribeiro, 82, proprietário do Engenho Cana Dá, localizado no km 39 da CE-040, o período pandêmico foi amedrontador, mas o agora parece assustar cada dia mais. Com uma menor estrutura para receber turistas, o engenho com mais de 40 anos de tradição enfrenta dificuldades para sobreviver. A falta de incentivo por parte do governo no comércio e mantimento da cultura da rapadura, a falta de mão de obra especializada, o alto custo de produção e a necessidade constante de midiatizar os negócios são os principais problemas apontados pelo empreendedor. 

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Fundado em 1974, o Engenho Cana Dá é um dos primeiros engenhos localizados ao longo da CE-040 / Fernanda Filiú 

Com a volta do turismo e do comércio depois do fim das restrições sanitárias, era esperado um aumento do consumo e comercialização da rapadura na região. No entanto, o retorno não atingiu as expectativas. Para o Engenho Cana Dá, o sustento veio do abastecimento para a indústria de cereais, que adoça os produtos com a rapadura. A inovação de sabores também faz parte das mercadorias do engenho, como a rapadura de milho verde, mas ainda assim, a desilusão com o retorno financeiro faz José César questionar a longevidade de seu negócio.

“Eu falo para os meus filhos: vamos vender isso aqui. Eu tenho 82 anos, acordo 3 horas da manhã para acompanhar a produção e finalizo às 18h. O movimento é fraco e o esforço grande. Então, é triste, mas [o engenho] está exposto à venda. Eu disse para os meus filhos, ‘pode vender’.”

Uma estrutura atraente e preparada para receber turistas se mostra um forte caminho para o aumento da comercialização da rapadura no local. Porém, para aqueles que já sofreram com grandes oscilações financeiras nos últimos anos, a reestruturação e sucesso dos negócios parecem um sonho distante. 

 

O fechamento de engenhos afeta não somente a geração de renda das famílias do ramo, mas também toda a cultura secular da tradição canavieira. Falar da produção de rapadura é abordar a história nordestina, cearense e popular. Sem dúvidas, rapadura é doce, mas não é mole! 

 

Serviço 

 

Engenho O Bari: CE-040 Km 40, s/n Zona Rural,

Aquiraz/Pindoretama- CE, 61700-000

 

Telefone: (85) 99609-3527

 

Engenho Cana Dá: CE-040, 320 - Lot. Novo Aquiraz, Aquiraz - CE, 61700-000

 

Telefone: (85) 98846-5604

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