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De todas as memórias que a cana dá

A história de um dos primeiros engenhos da CE 040 contada pelo seu fundador, José César Ribeiro

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José César Ribeiro guarda memórias marcantes que provam que a rapadura é um doce de muito afeto (Foto: Jonathan Borges)

       quiraz, Ceará, 8:30h da manhã. A CE 040 é enfeitada por carros que se direcionam entre as rotas da praia. É nessa rodovia que encontramos um dos grandes percussores da popularização da rapadura na região, José César Ribeiro. Membro da terceira geração a dar continuidade ao legado familiar, o simpático senhor de 82 anos é proprietário do engenho Cana-Dá, um dos elos originais para comercialização de rapaduras na beira da CE 040. 

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A placa, marcada pelas ações do tempo, convida os visitantes e turistas a se achegarem ao Engenho Cana Dá. O Sr. César se divide entre os outros 10 trabalhadores nos afazeres em um dia normal de produção, acorda às 3h da manhã para acompanhar a moagem e permanece ativo até o entardecer. Mesmo com a baixa na produção esse é o grande legado da família, uma tradição secular iniciada por volta de 1900 por uma seringueira que se mudou do Amazonas para o Ceará e iniciou uma história pioneira que dura até os dias de hoje. 

A avó do Sr César, Guiomar Cesar Pereira. O extenso terreno que abriga a plantação era o lar de um imenso cajueiro, o senhor conta que para abarcar a árvore eram necessários cerca de 10 homens. Posteriormente a árvore foi demolida pela demanda da cana. Fato é que, assim como a grande árvore, são outros 10 homens que coincidentemente abarcam a missão de dar continuidade à feitura da matriarca amazonense que hoje é liderada por César Ribeiro.

Tudo começou com ela (a avó). Ela era soldada seringueira e chegou aqui em 1900. Acredito que ela conheceu a rapadura aqui no Ceará.

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A infância de César foi marcada pelo contato direto com a rotina sertaneja. A fazenda era repleta de cabeças de gado, jumentos e cavalos. Acordava cedo para ir para perto do gado que era a força motriz da moagem da cana. Seu pai faleceu quando ele ainda tinha  apenas 4 anos de idade. Mesmo com a perda, a memória confirma o carinho e devoção que seu pai tinha pelo engenho. Se mudou para Fortaleza com 16 anos para estagiar na J. Macedo. Ele conta que frequentemente visitava a terra natal para acompanhar a produção. 

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Com um olhar empreendedor, decide transferir o engenho, que antes ficava mais escondido no terreno, para a beira da estrada, na intenção de atrair mais visitantes e potenciais compradores. Com a inauguração em 1975, o negócio familiar passa a ganhar novos rumos, esses atravessados pelos rumos dos viajantes que se sentem instigados pelo nome estampado do outdoor. “Cana Dá” surge de um sorteio realizado entre os companheiros de trabalho do Sr. César. 

 

Ele pediu que todos escrevessem o nome em um pedaço de papel e colocassem em um depósito. O nome sorteado: Cana Dá. Fato é que canadenses já visitaram o engenho, a fama da rapadura atravessou fronteiras e já chegou à América do Norte e também à Europa.  Mas com a recepção de César, não importa de qual lugar do mundo seja, qualquer pessoa se sente em casa! 

 

E não foi só geograficamente que a inovação aconteceu. Um engenheiro da J. Macedo, colega de trabalho, sugeriu que as rapaduras tivessem leite, sugestão essa que viraria uma chave para a forma como as rapaduras são feitas atualmente. É comum encontrar a iguaria com uma variedade de sabores, incluindo a rapadura com leite. E foi essa sugestão que fez o Cana Dá ser mais uma vez o engenho mirou na inovação. Dentre as variedades que enfeitam as prateleiras da loja, é possível se deparar inclusive com a rapadura de milho. O sabor é uma mistura perfeita das sensações gustativas mais tradicionais do nordeste. 

 

A presença de mulheres fortes é um elemento característico da vida de César Ribeiro, assim como a saudade. Sua esposa, Maria Teresa Mota Ribeiro, faleceu em decorrência do vírus da covid-19 há dois anos. Atualmente, compartilha o legado da família com suas irmãs que também possuem engenhos à beira da estrada. Essa rede de apoio, junto aos 6 filhos e aos trabalhadores, é o que movimenta a vida do homem que desde menino teve a rotina do campo como o principal abrigo. 

 

Muitos engenhos foram entregues ao abandono nos últimos anos. O fundador do Cana Dá observa a falência de empreendimentos próximos também como um resultado da negligência governamental. Conforme o tempo passa a tradição é esquecida. Mas não na memória de José César Ribeiro. Ele apresenta sua segunda casa com orgulho e saudosismo aos dias em que seus produtos atravessavam fronteiras pela grande visitação dos turistas. 

 

Permanece ativo em suas atividades, vai dormir tarde, pois tem jogos no celular como seu passatempo. O olhar vai longe, quase como se acompanhasse a direção dos carros. Mas os seus pés estão bem firmados no chão que conhece desde muito pequeno. Assim como a rapadura, talvez a trajetória de Seu César não foi mole, mas pelo jeito que ele conta, com toda certeza foi doce.

Trecho da entrevista com José César Ribeiro
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